Blog do Orlando Costa

Verba volant, scripta manent – ANO XVI

Categoria: CARNAVAL 2017

SÃO TEMPOS DE ‘PÓS-VERDADES’: TODO CUIDADO É POUCO

Não chegou até nós estes números, que conforme disse, no release disparado à imprensa não constava contagem de espectadores, mas o semanário Folha da Região trouxe em sua edição de sábado que “Mais de 6 mil pessoas viram desfiles das escolas de samba”, bem como “Cerca de seis mil foliões foram aos bailes de carnaval no recinto”.

Este segundo título, até nem carece de comentários, porque é descarada e vergonhosamente mentiroso (não que seja culpa do jornal, mas também não dá para dizer que foi induzido seu editor a erro, dada a experiência na estrada).

Acertadamente pode se dizer que nem mil pessoas foram aos bailes de carnaval no recinto. E pode-se dizer, também, que nem chamando o reforço do público do show da sexta-feira daria este tanto de gente. Ou até daria. Mas compondo cerca de 90% ou pouco menos que isso do total de público no sambódromo do curupira.

Para comentar a quantidade de gente na Avenida Menina-Moça, nas duas noites de desfiles carnavalescos, reproduzo, antes, o critério técnico oficial usado para medir multidões.

Existe uma certa tendência dos organizadores de determinado evento em “inflar” o número de pessoas que participaram. Em um evento político, o partido que organiza sempre tende a aumentar o número de pessoas. Já o partido contra tende a diminuí-lo. Como chegar em um número satisfatório e próximo do real?

De acordo com engenheiros e estudiosos, o número de pessoas que cabem em 1 m², em um local com grande concentração de pessoas, é de no máximo 7 pessoas com estaturas medianas e com peso de 60 kg. Isso com as pessoas se espremendo umas nas outras. É mais objetivo levar em consideração um número de 3 a 4 pessoas, mas este número ainda pode variar.

Vamos considerar seis pessoas por metro quadrado, para ficarmos nos números divulgados? Um metro quadrado, seis pessoas. Dez metros quadrados, 60 pessoas. Cem metros quadrados, 600 pessoas. Mil metros quadrados, seis mil pessoas. lembrando que esta medida seria a de um campo de futebol, com as pessoas aglomeradas entre si, e ocupando um metro quadrado cada seis delas.

Agora voltemos nossos pensamentos ao local de realização dos desfiles e façamos um cálculo… Vejam a foto acima. Calculou? Fim.

(PS: disse no post anterior que era o balanço final do Carnaval. Mas não poderíamos nos calar diante desta “pós-verdade” somente hoje chegada ao nosso conhecimento)

CARNAVAL? ONDE? O BALANÇO FINAL

Diz-se que o jornalismo é o exercício do caráter. Especialmente no jornalismo opinativo e na linha editorial dos jornais, o caráter é ponto central. Constrói-se o caráter de cada publicação analisando seu apego aos fatos, sua generosidade ou dureza de julgamento, sua capacidade de mediação ou parcialidade gritante. E, principalmente, sua credibilidade, o respeito com que trata a informação. (Luiz Nassif)

A Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer faz um balanço do que foi, na visão oficial, o lamentável carnaval 2017 em Olímpia. Pelo menos não extrapolou na avaliação e deixou nas entrelinhas que a festa não foi aquelas coisas. Observem:

A tradição dos desfiles de escolas de samba é preservada em Olímpia e atrai milhares de olimpienses e turistas à avenida durante o Carnaval. E neste ano, na Avenida Menina Moça, novo ‘sambódromo’ da cidade, não foi diferente. Foram duas noites de apresentações, sem chuva, com muita alegria, segurança e conforto. As agremiações mostraram cores, brilho e samba no pé.

Observem a linha fina entre o que foi e o que poderia ter sido o festejo de Momo na Estância Turística. O texto ainda recorreu a dirigentes de escolas de samba para se afirmar como fato.

Exemplo foi o diretor geral da Unidos da Cohab, Luiz Carlos Roberto, que definiu o Carnaval 2017 como “excelente” e classificou a Avenida Menina-Moça como “o verdadeiro sambódromo de Olímpia”.

Puxa, e por que demoramos tanto para descobrir isso? Foi preciso que Roberto se tornasse um adulto em bairro às portas do novo fenômeno estrutural carnavalesco para que sacássemos o óbvio? Tanto tempo assim?

E não foi só. Roberto disse que “a avenida estava linda, o público compareceu e superou nossas expetativas”. Posso perguntar qual era, então, o nível da expectativa do senhor Roberto? Porque, por mais que tentem nos empurrar goela abaixo, nem a avenida “estava linda”, nem “o público compareceu”. Pode ser que as expectativas do senhor Roberto é que estavam minimizadas. Ou embevecidas.

O tamanho do público estava tão diminuto que, observem, nem a própria secretaria teve coragem de conta-lo. Fala em “milhares”, mas talvez alcançasse um milhar, somando as duas noites de desfiles. Na realidade, foi um fracasso de público, em todos os sentidos.

Mais abaixo, no tocante à escola de Samba “Vem Comigo”, o texto beira ao exagero ao frisar que “os batuqueiros levantaram os foliões nas arquibancadas”. A começar que a maioria deles já estava levantada, uma vez que as arquibancadas eram desconfortáveis e pouco favoráveis à visão geral do local.

Mas sobrou elogios de outra presidente. Sueli Filomena Campos disse que foi “um dos melhores carnavais para a escola”. Não sei baseada em que ela fez tal afirmativa. Já vimos esta mesma escola fazer carnavais bem melhores.

“Levar o Carnaval para a avenida foi uma decisão acertada da Secretaria”, prosseguiu na bajulação. Para ela, o percurso foi bom e facilitou a passagem das escolas. Como aquilo pode ser melhor do que as ruas centrais, por exemplo, onde desfilou ano passado? “Nossa escola aprovou o novo sambódromo”, completou. Então ‘ta.

O texto ainda frisa que a secretária Tina Riscali “cedeu transporte para os componentes da Vem Comigo nas duas noites de desfile”. Ué, antes da Tina era diferente? Eles desciam como? Voando?

Estranhamente, não há nenhuma avaliação de qualquer dirigente da Samba Sem. Ao que parece, a escola, ou bloco, como eles preferem ser chamados, pareceu estar dividida quanto à novidade,  embora houvesse integrante rasgando desbragados elogios à mudança.

Aí, chegamos a um ponto que nos pareceu um tanto quanto ato de provocação, pois inocência não pode ser.

A secretária agradeceu o trabalho de divulgação da assessoria de imprensa da Prefeitura e a presença de três emissoras de televisão de São José do Rio Preto, quais sejam, TV Tem, Record e SBT, que acompanharam o evento e destacaram a tradição dos desfiles no carnaval de Olímpia.

Não vou aqui descer a detalhes sobre tal interesse das emissoras de TV quanto ao carnaval “revolucionário” de Olímpia, para não empanar o “brilho” dos organizadores. Até porque, para bom observador, é possível perceber que a última coisa que fizeram no entorno do carnaval local foi jornalismo.

E vamos cobrar aqui o “esquecimento” dos meios de informação locais, que também estavam lá, embora cobertura jornalística -quando é jornalística- não se deve agradecer jamais. Haja vista que os veículos teriam ido pelo interesse público dos fatos.

Bom, aí chega a vez dos bailes. Dois apenas, afinal o povo precisa estar descansado, porque no caso dos não-municipais, a segunda e a quarta-feira foram, como se diz, “dias de branco”.

“Marchinhas, samba, pop e axé animaram o Carnaval de Olímpia”. Animaram? Não foi o que se viu. A primeira noite, no sábado, gatos pingados decepcionaram até mesmo os músicos e cantores no palco, que tocaram e cantaram “como que pra ninguém”, como diz a canção do bom baiano.

O texto diz candidamente que “na primeira noite da festa de momo (sic), muitas famílias olimpienses e turistas prestigiaram os shows”. Estas “muitas famílias”, dizem, eram garotos despretensiosos e sem muita opção pois, menores em sua maioria, não puderam arredar pé da cidade. Diz o texto ainda que “por conta da chuva, os foliões se concentraram na arquibancada coberta do Recinto e também nas barracas”.

Que belo baile carnavalesco esse que foliões ficam a mais de 200 metros dos tocadores?

Bom, aí na segunda banda, presume-se, o povo desceu, porque o “misto de rock e axé incendiou o Recinto e levantou os foliões na arquibancada”. Repararam? O rock e o axé teriam feito isso. Carnaval? Onde?

Daí a reportagem encontrou um turista. Jurandir Silveira de Jesus, 52 anos, que mora na Praia Grande. Estava em Olímpia pela segunda vez, passou o dia no Thermas com a família –esposa, dois filhos, mãe e sogra– e à noite foi ao Recinto brincar o Carnaval. O texto não especifica em que contexto ele “brincou”.

“Esse lugar é lindo. Enorme. Uma bela estrutura. Estamos adorando. É um Carnaval bonito e tranquilo para trazer a família”, disse o turista. Claro que era. Não tinha aglomeração como na praia onde mora. Ou, mais exatamente, estava vazio.

De Olímpia, Silmara de Jesus dos Santos, moradora na Cohab III, levou os netos para curtir a folia e gostou do que viu. “As bandas arrasaram. Gostei muito dos shows. Temos de valorizar nossos talentos”, disse. Perceberam que ela gostou muito “dos shows”? Carnaval? Oi?

Aí a secretária Maria Justina Boitar Riscali, a Tina, psicanalisou: “Toda mudança gera curiosidade, gera crítica, expectativa. O que nos motivou a realizarmos o Carnaval no Recinto foram três fatores principais: conforto, custo-benefício e segurança. E, acredito, sim, que isso foi cumprido”.

Bom, no tocante a conforto, há controvérsias sobre se aquelas arquibancadas deram conta deste quesito. Parece que não, pois viu-se muitos espectadores abandonando-as à passagem das escolas. Custo, outra dúvida, porque muito da “estrutura” (leia-se arquibancadas e coberturas em geral) não seria necessário se a festa tivesse sido na praça. E benefício, para quem?

No mais, seguem-se esforços hercúleos para passar ao público que a festa foi o que efetivamente não foi. Elogios fartos na Câmara de Vereadores, dizem, mas seriam atitudes bajuladoras; elogios de diretores de escolas, dizem, mas seriam manifestações de subserviência carnavalesca.

Faltou a secretária dar um xeque-mate em quem desacreditou da mudança: ouvir os presentes, tirar dali um percentual de “aprovo” e “não aprovo”, “deve continuar aqui”, “não deve continuar aqui”. Enfim, faltou a secretária ouvir a parte mais interessada e para a qual tudo foi feito: o povo.

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