“Trair em política é imenso risco para a fé pública e defesa do poder. Quando o poderoso trai, pode salvar-se. Quando o mais fraco o faz, sucumbe”. (Maria Sylvia Carvalho Franco, professora titular do Departamento de Filosofia da USP e da Unicamp).
A Câmara Municipal de Olímpia, desgraçadamente, foi vítima, mais uma vez, de um espetáculo pouco recomendável, aliás, execrável, protagonizado pelas figuras públicas que a habitam. Um espetáculo que já se tornou “tradição” naquela Casa, ao longo dos últimos anos. E sempre quando chega um momento como o de ontem à noite, de eleição da Mesa Diretora, tal “tradição” se faz presente. E choca a todos aqueles que insistem em acreditar que a política ainda é a melhor ferramenta para mudar um estado de coisas.
Não é de hoje que estes fatos se repetem na nossa Egrégia Casa de Leis. Há sempre uma estória a ser ouvida, quando o assunto é eleição da Mesa. Até ações que mais beiram o “folclore”, como aquela que dá conta de que um vereador, certa feita, chegou a engolir um papelzinho com seu nome, já que haviam dois para o sorteio. E ganhou a Mesa. Engraçadas ou não, narrações sobre traições à última hora são muitas e variadas. Que me lembre e tenha estado presente, tivemos fato idêntico em 1992, 1994, 1996, 1998, 2000, 2002 e 2004.
Houve uma trégua em fins de 2004, quando o então prefeito Carneiro não conseguiu desfazer acordo prévio da oposição, que elegeu o hoje prefeito Geninho (DEM). E não foi por falta de tantativas. O “truque” do voto no último a votar, exatamente Marco Coca (PPS), hoje ex-vereador, não funcionou neste caso. Mas, em 2006, a serpente novamente botou seu ovo nas cercanias da Casa de Leis, e toma-lhe traição! Chico Ruiz fazia parte do grupo que havia assinado documento se comprometendo a eleger presidente Marco Coca. Depois, “roeu a corda” e acabou se elegendo presidente. Como agora o fez Toto Ferezin (PMDB).
Houve até algumas coincidências entre aquele pleito de 2006 e este agora, de 2010. Por exemplo, o voto para o cargo de 1º secretário. João Magalhães (PMDB) obteve unanimidade, a tal ponto que ele próprio confessou estar surpreso. Ontem, somente um voto tirou a unanimidade de Guto Zanette para o mesmo cargo: Zé Elias de Morais preferiu votar na colega Priscila Foresti, a Guegué (PRB). Os demais da coalizão votaram nele, cumprindo o acordo de 2008.
Também houve críticas ao “traidor”, como agora. Carvalho não perdoou Ruiz por não ter cumprido o acordo firmado na chamada ‘bancada independente’, pelo qual ele seria o presidente da Casa. “Não se pode esperar que um político corrupto aja com ética se é esse seu modo de se manter no poder”, disse Parolim, entre outras afirmações fortes, num discurso considerado duro e implacável. Os discursos de ontem, de Magalhães e Guegué também foram contundentes, cheios de adjetivações.
Houve também protestos naquela eleição. Cerca de dez adolescentes portando cartazes com frases críticas ao vereador Francisco Ruiz, como “Chico Ruiz, o traidor”, “Chico Ruiz mercenário”, ou frases como “Quem diria! O homem que julgava ter caráter é o traidor da população-Vendido”. Cartazes, claro, retirados de cena logo em seguida. Mas, a situação, que àquela altura já tinha como certa a vitória, também fez das suas: levou apitos e sprays sonoros, que foram usados até o final da votação.
No episódio de ontem, além da ação mais contundente do grupo situacionista – salvo a presença de pelo menos três secretários e um “vice-secretário” -, não teve, também, o episódio verificado na eleição de 2006, o da chave, que muitos devem se lembrar – Valtinho Bitencourt, quando do resultado do pleito de 2004, usou de uma analogia, ao dizer que o acodo estava fechado a a chave havia sido jogada fora, dando a entender que ele não se desfaria.
Mas, dois anos depois, o então vereador eleito vice-presidente da Mesa, Antônio Delomodarme (PP), ironizou a fala do colega Bitencourt (PDT): “Nós encontramos a chave, ela está aqui e vai abrir a porta na hora que for preciso, na hora que qualquer outro vereador quiser entrar para o grupo”, e da tribuna exibia uma enorme chave de madeira. Interessante notar que aqueles dois pleitos anteriores e este de agora, envolvem parte dos mesmos personagens, estejam eles na Câmara, estejam eles em outros espectros do poder local. Daí, talvez, a repetição do “modus operandi”.
E, se formos mais longe um pouco, vamos nos lembrar daquela eleição de 1994, quando o então vereador lider do extinto PFL, Nilton Martinez, foi dormir presidente e acordou …lider do extinto PFL na Câmara. Foi traído por um vereador. Que não se revelou. Mais intrigante em tudo isso é que depois do pleito em que foi derrotado, todos foram à sua casa confortá-lo. Eu disse TODOS os vereadores da bancada. Até o que havia votado contra! Naturalmente foi entre os demais para não se revelar.
E até hoje não se sabe com convicção quem foi o “judas” daquela eleição da Mesa (a propósito, foi eleito Joel de Alencar, do PMDB, alinhado com o prefeito de então, Moreira. E o presidente que saía era Salata).
Contei os casos, digamos, mais recentes. Mas as estórias são várias. A demonstrar que Olímpia pratica uma política um pouco fora dos padrões ético-morais, para não dizer vergonhosa. O povo está sempre a assistir episódios que mais lhe parecem escárnio de quem lhe deve apenas respeito, dedicação e honra. Porque, com certeza, é nessas qualidades que ele, povo, pelo menos em sua grande maioria, vota. E o escárnio sequer é disfarçado, por exemplo, quando se houve dizer que Guto Zanette – e certamente também Toto Ferezin – pouco se dão à opinião pública, apostando que ela esquece com facilidade do mal feito, sempre.
Mas, é bom quem ambos fiquem sabendo, como todos os demais também o souberam em seguida às suas atitudes – não por coincidência com o fim precoce das respectivas carreiras políticas -, que a “poeira” do acontecimento em si pode baixar a qualquer momento, mais cedo ou mais tarde. Mas a “mancha” dos atos praticados ficará impregnada na “parede” política de cada um deles. E sempre virá à tona quando menos esperarem. Ou no momento em que menos queriam que viesse. Ficam agora, dois “debutantes” políticos marcados para todo o sempre. Vão ser, eternamente, “aqueles que traíram”.
Há um argumento em redor principalmente de Toto Ferezin, de que ele não pode ser de todo culpado, uma vez que foi eleito presidente porque “os votos caíram no colo dele”. Argumento falso. E ainda que fosse verdadeiro, ele tinha um compromisso ético-moral a cumprir. Compromisso assumido e assinado em 27 de novembro de 2008, pouco depois das 20 horas. O mesmo que Zanette assumiu e assinou. E, depois, ele mesmo contradiz tal argumento, ao afirmar, em seu discurso pós-eleição, que “há muito tempo vinha me preparando para isso”.
Com certeza, não era especificamente de preparação técnica para o exercício da função – que exige muito conhecimento, discernimento, responsabilidade, racionalidade, autoridade e capacidade de raciocínio e de tomar decisões, durante e, principalmente, fora das sessões ordinárias -, que ele estava falando. Este “me preparando” denota algum tipo de ação indicativa de que os votos não “caíram em seu colo”, como querem fazer crer. Mas, ao contrário, que engendraram situação tal que se tornou possível colocar tais votos em seu colo. A ação do prefeito Geninho (DEM), alguns assessores próximos e, paradoxalmente, a fraqueza dos vereadores-alvo contaram muito para isso.
Aliás, é preciso que se faça o alerta ao vereador Toto e a seu colega Guto, de que é possível ambos terem sido escolhidos para protagonizarem a cena deplorável mais por suas fraquezas que pela força que possam estar julgando possuir. Lembro-me que ainda naquela eleição em que Martinez foi “derrubado”, um vereador de extrema capacidade de oratória, Décio Pereira, fez um comentário sobre força e fraqueza em relação a vereadores, durante a articulação para a “virada de Mesa”, que rendeu muita conversa e quase a destruição do que havia sido acordado. Teve que fazer um discurso contundente para desdizer o que havia dito.
Vereadores que se julgaram alvo do comentário publicado em uma coluna de jornal arriaram os pelos. Para manter o grupo, Pereira se desdisse. Mas, em conversas reservadas sabia-se que ele tinha razão. Foram os vereadores “frágeis” ou “fracos” a que ele se referia, exatamente os que fizeram mudar o quadro. Exatamente como agora. Ao prefeito não interessava eleger político forte para tomar conta da Câmara. Como manipular um presidente forte e independente? Só os fracos podem sucumbir. Se não eleitoralmente falando, com certeza politicamente falando.
E as duas coisas têm o mesmo peso e o mesmo sentido. Enquanto a primeira o “aposenta” precocemente, a segunda faz dele um político sem fé pública, o qual nenhum cidadão de bem respeita. Como consequência, há de conviver com sua própria caricatura política, com a sombra do que pretendeu ser um dia. E não há nada mais doído do que a solidão no poder. É uma tortura tão grande e profunda que o homem sempre preferirá a “morte” política.
A propósito, o título deste post de hoje nos remete a uma peça teatral de grande sucesso no Brasil até hoje, cuja principal personagem, uma empregada doméstica, se chama Olímpia. Inspirada no gênero Vaudeville, a peça gira em torno de meras hipóteses de adultérios, geradas por equívocos e confusões provocadas por esta empregada, que se aproveita da desconfiança geral entre os casais do enredo para subornar seus patrões e amigos. É uma comédia de costumes com todas as confusões do gênero. Tem como fio condutor a empregada Olímpia que complica e descomplica a ação, e uma série de personagens à beira de um ataque de nervos.
Tudo a ver?
Até.
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