Responsável por defender o tema “Folclore e Patrimonialização” no Ciclo de Palestras em Etnomusicologia realizado ontem, segunda-feira, 11, e hoje, terça-feira, 12, pela manhã, Alessandra Ribeiro Martins, da Pontifícia Universidade Católica, a PUC, de Campinas, pregou que ainda existe a necessidade de que as comunidades continuem lutando para preservar suas raízes culturais e étnicas.

Ela praticamente vai na contramão do que defende sua colega de academia Érica Giesbrecht (leia entrevista abaixo), que tem um olhar mais condescendente sobre a questão. “Eu penso que a gente tem que dialogar com os tempos modernos sem perder nossas raízes”, diz ela. Ou, então, quem não quiser isso, não faça, “mas que não venha dizer que está fazendo a raiz”, cobra Alessandra. “É aí que vejo a diferença entre os grupos artísticos e os grupos de raiz”, completa.

Alessandra Martins Ribeiro é Graduada em História e mestre em Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), e atualmente realiza o seu doutorado em Urbanismo pela mesma universidade. Especialista em estudos sobre Cultura Afro Brasileira atua como gestora da Casa de Cultura Fazenda Roseira, espaço de práticas e formação da cultura afro e constitui a liderança da Comunidade de Jongo Dito Ribeiro, patrimônio imaterial nacional. Tem como principais temas de atuação: requalificação urbana, jongo/caxambu, cultura negra, participação popular e patrimônio cultural material e imaterial.

Alessandra conversou com o blog na tarde de ontem, após palestra para professores, integrantes de grupos, alunos e interessados, no Pavilhão Cultural do Recinto de Atividades Folclóricas “Professor José Sant´anna.

Blog: Conversava ainda há pouco com a Érica (Giesbrecht, palestrante que a antecedeu) e comentava com ela a respeito das colocações feitas no sentido de que as manifestações folclóricas podem perfeitamente se adaptarem ao momento atual, o que seria uma espécie de “modernização” do Folclore. E nas suas colocações – até comentei isso com ela – me pereceu que você foi um pouco no sentido oposto disso. É isso mesmo? Ou eu não entendi direito?

Alessandra: É isso mesmo. Eu penso que a gente tem que dialogar com os tempos modernos sem perder nossas raízes. Ou optar e não dizer que a gente está fazendo a raiz. É aí que vejo a diferença entre os grupos artísticos e os grupos de raiz.

Eles realmente estão em lugares diferentes. Podemos colocá-los todos juntos no Festival, vê que tem grupos que são realmente folclóricos, mas que tem grupos que para além da ação da manifestação, ele é uma comunidade, ele vive daquilo, e é aquilo que é o guia do que ele faz. Acho legal todo fazer, mas sabendo de onde está fazendo e por que está fazendo.

Blog: No caso de vocês, por exemplo, que tem lá a sua comunidade de Jongo, Campinas tem as suas comunidades de Jongo, que se apresentam, que se reúnem, enfim, que transmitem informação. Ali, vocês admitem, aceitam, vamos dizer assim, esta abertura, ou fazem questão de que seja autêntica, de família, de raiz?

Alessandra: Lá (risos [começa a cantar uma canção de Jongo]) a gente vai interagir, vai usar as ferramentas do cotidiano, como potência para nossas ações, mas na hora da prática a gente vai tirar o sapato, esquentar o tambu no fogo, afinar na corda e nossos jovens vão mandar o whatsapp e vão fazer o mesmo também.

Blog: Certo, os recursos eletrônicos enquanto ferramentas de divulgação, e não enquanto ferramentas para serem incorporadas à manifestação…

Alessandra: Não. Eu concordo num sentido, “poxa, se meu tambu é pesado e eu não consigo carregá-lo na corda, vou por um adereço que eu possa carregá-lo com mais leveza, mas eu não vou mudar o meu tambu.

Blog: Seria mais ou menos uma espécie de “você pode fazer o que eu falo, mas eu não faço o que eu falo”?

Alessandra: Não, eu sou do tipo “falo e faço”, eu mantenho a minha tradição. Agora, se antes o nosso povo carregava o tambu no lombo, eu vou por no meu carro zero e carregar o meu tambu pesado, eu vou dialogar com o que eu tenho no futuro para amenizar. Não é porque eu tenho uma tradição que eu tenho que ser duro.

A gente só mantem o que a gente ama. Mas eu vou manter o que é tradicional, eu não vou trocar os nossos tambores, não porque eu julgue que isso não seja importante que tenha quem faça. É que eu acho que ou você deixa a comunidade da tradição, ou você vai ser o grupo cultural que vai fazer essa tradição como qualquer outra. Cada um no seu lugar. Eu sou uma comunidade tradicional.

Blog: E ali para vocês vale a essência, o que veio lá de trás?

Alessandra: Isso para a gente é fundamental.

Blog: Mas ao mesmo tempo você prega também, como a Érica, a “modernização” das manifestações?

Alessandra: Não, eu não prego, mas eu respeito. Porque eu sei, por exemplo, que quando a gente falar “quando eu estou no meu espaço urbano, falando que eu vou manter o meu tambu, eu estou no meio da cidade, eu tenho a possibilidade e todos os elementos que eu tenho e eu faço a escolha. Mas reconheço que muitas comunidades tradicionais não têm acesso a isso.

Eu tenho comunidades de Jongo que trocaram os tambores escavados por congas. E isso me incomodou porque eu achava que era uma quebra de tradição. Mas quando eu fui lá para a realidade deles, no cotidiano deles, para eles, terem a conga foi um avanço, uma conquista. Não porque não saibam escavar o tambu ou não saibam a importância que o tambu tem. Mas porque eles acham que a conga é uma melhora.

Então, esse olhar é muito interno, é muito local. Acho muito complicado, e nesse sentido compactuo com a Erica e respeito, você está de fora e falar “aquele que está com o tambu é tradicional, e aquele com a conga não é, porque, de repente, aquele que está com o tambu tradicional não soube escavar o tambu para fazer, mas pode ser que ele comprou da comunidade que está com a conga. Que toca hoje com a conga, mas mantém isso até hoje.

Então, cada comunidade sabe a realidade que tem, e os limites, os desafios que tem. E isso acho também que é muito da comunidade. Claro que, quando ela vem para fora, quando está aberta a comparativos, eu, como pesquisadora, vou sempre olhar e falar “olha, por que será que aquela comunidade hoje está com a conga, e aquela outra está com aquilo?” Eu vou ter sempre o olhar curioso de entender. Sem perder a generosidade de saber como que aquilo se deu na própria comunidade, no próprio território.

Blog: Só para esclarecer, explica a conga e o tambu escavado.

Alessandra: A conga é um instrumento percussivo que você pode comprar em qualquer loja de música, que tem um grave, um meio grave, um mais agudo, que faz um compasso rítmico de Jongo também. O tambu escavado é quando você vai lá, escolhe a época do ano, escolhe a árvore, “cavuca” a arvore, que é correta para fazer couro, pega o couro do animal, põe para secar, prega e também faz o tambu. Você vai chegar num resultado sonoro muito próximo, mas num processo histórico de vivência comunitária, com certeza diferenciado.

Blog: Daí o seu incômodo? Porque a conga, para você, seria uma descaracterização, ou não?

Alessandra: Quando a conga vem para a tradição, eu vejo como uma descaracterização. Mas eu não faço julgamento de dizer “aquela comunidade perdeu a referência”, sem antes saber que comunidade é e como que a conga chegou lá.

Porque talvez para aquela comunidade, estar com a conga no palco, é a facilidade para ir tocar, mas quando ela está lá na casa dela todo dia, todo mundo sabe que árvore que tira, como que corta, como seca e como monta o tambu, e talvez ela acha que é tão precioso que tem que ficar dentro da casa dela, não na rua.

É aquela brincadeira, ‘eronibaba kojadê erobabarisorô” (escrito conforme ouvido) – “Meu pai me contou um segredo e esse segredo eu guardo no meu quintal”. Talvez para aquela comunidade seja aquilo, como talvez pode ser efetivamente uma nova inserção, uma mudança. Acho que não podemos perder o olhar de tentar entender em que contexto aquilo se deu.

Blog: Na sua comunidade é o tambu escavado?

Alessandra: Na nossa comunidade nosso tambu não é escavado, mas são as barricas de vinho da maneira que eram utilizadas antigamente.

Até.