O termo “liturgia do cargo” foi cunhado para expressar o comportamento que se espera de ocupantes de altos postos, em especial na função pública, e assim como a ética, deveria ser um conceito natural, facilmente perceptível e de entendimento tranqüilo por quem recebe a missão de representar ou conduzir seus pares, os demais cidadãos.

Acima de qualquer coisa, é a consciência do significado de se ocupar uma posição de destaque, de representatividade, de mando, de responsabilidade.

Mas assim como não tem a noção do conceito de ética, alguns desses afortunados detentores de posições relevantes na estrutura estatal, também são levados a ter uma visão toda particular do que seja a tal “liturgia do cargo”.

Passam a entender esse conceito como as condições materiais que lhes são alcançadas pelo contribuinte (quem paga a conta, ou seja, nós) e colocadas à disposição para “fazerem bonito”

O vereador Antonio Delomodarme, o Niquinha (Avante), presidente da Câmara de Vereadores, não fugindo à regra do seu destempero verbal e emocional, provocou grande escândalo na Unidade de Pronto Atendimento-UPA 24 Horas, na tarde de sábado.

Tamanha foi a agressividade do vereador contra funcionários do local, a ponto de quase agredir uma enfermeira, que a situação está a exigir pronta reação da Secretaria de Saúde e do próprio prefeito Fernando Cunha (Sem partido).

Está entre as funções principais do vereador, a fiscalização dos atos e decisões do Executivo e seu entorno, incluindo até mesmo a prestação de serviços públicos, mormente na Saúde, que no caso da Estância está um caos generalizado.

Mas, entre as obrigações de um representante do povo, se quiser ser digno deste título, está a necessidade de tratar a todos com respeito e dignidade, seja a pessoa quem for, seja a situação qual for com que se deparar o edil.

Se de roubo flagrante, impedir que se consuma; se de algum ilícito funcional, comunicar ao superior imediato do funcionário público; se desvio de conduta, da mesma forma.

Mas, jamais, em hipótese alguma, pode o vereador praticamente partir para cima de uma enfermeira que apenas lhe pedia que se contivesse, porque estava deixando as pessoas todas ali apavoradas, assustadas, dado o seu destempero e seus gritos.

E, mais espantoso ainda, e isso foi dito pelo próprio Niquinha, é que ele, embora tenha usado do expediente do direito à fiscalização, estava ali “prestando serviço para uma pessoa” que aguardava atendimento. E, consta, não se tratava de um caso de urgência ou emergência, situações em que o paciente fica à frente na fila de atendimento.

“São incompetentes aqui e sobra tudo para a gente na Câmara”, gritava Niquinha no guichê para duas atendentes não identificadas. A pessoa para quem ele “prestava serviço” estava ali, segundo ele mesmo disse, “há uma hora e meia e não foi atendida” (Não houve confirmação, mas informações extra-oficiais davam conta tratar-se de um caso de alcoolismo).

“Se tem preguiça não fica atrapalhando quem quer trabalhar, incompetência do capeta”, esbravejava o vereador e presidente da Câmara. Mas, um dos motivos que levaram o vereador à UPA para destratar funcionários ao que consta TERCEIRIZADOS, foi que ele estaria “cansado de levar pau como vereador por causa da incompetência” daqueles funcionários, “que desligam o telefone na cara do vereador”.

“Tem preguiça não vem trabalhar, pede as contas e vai embora”, prosseguia ele, no vídeo de 1 minuto e 18 segundos distribuído pelas redes sociais. Feito isso, outro vídeo menor, de 44 segundos, mostra o vereador se aproximando da porta de entrada de pacientes, e sendo abordado por uma funcionária, que seria uma enfermeira.

Esta apenas pedia que ele se acalmasse, para não desesperar os demais pacientes que estavam à espera de atendimento também, exatamente como aquela pessoa à qual ele fora “fiscalizar” o atendimento. “Eu sou vereador e tenho o direito de fiscalizar”, dizia ele encarando a funcionária. “Todo mundo tem o direito de fiscalizar”, respondia ela.

“Eu sou um vereador”, vangloriou-se. “E daí, é precioso ter educação também”, respondeu a funcionária, que em seguida pediu que ele se retirasse daquele espaço, momento em que alterou ainda mais a voz, bateu fortemente as mãos no peito e gritou: “Me tira daqui, então, vamos ver!”, e foi para cima da moça, sendo contido por alguns presentes.

Curioso que uma paciente, chegando ali e vendo aquele barulho todo, disse ao vereador: “Tenha educação, tenha educação, tenha educação”, por três vezes.

A degravação deste vídeo chocante cumpre o objetivo de mostrar aos cidadãos, até onde pode chegar o poder de ação em defesa de determinadas questões de uma autoridade fiscalizadora, e a partir de que momento esta personalidade extrapola de seus limites.

Porque, por mais nobre que pudesse ter sido a intenção do vereador, ele perdeu completamente a razão ao agir como agiu, agredindo, denegrindo e ofendendo quem ali estava apenas cumprindo ordens de seus superiores.

Seriam funcionárias terceirizadas. Se queria mais competência por ali, que recorresse ao proprietário da empresa e cobrasse dele, podendo até gritar na orelha dele, mesmo que correndo o risco de um processo.

Não resolveu gritar com o dono da empresa? Que fosse então gritar com o diretor-geral da Unidade; não adiantando, que fosse gritar com o secretário de Saúde do município, a quem cabe a responsabilidade final pelo bom funcionamento daquele setor.

Nada disso adiantou? Bom, restam então os dois ouvidos (moucos?) do prefeito Cunha, que seria o “mannagger” disso tudo aí, e a ele competiria fazer as coisas funcionarem nas pontas, para evitar estes tipos de acontecimentos chocantes.

Mas o vereador optou pelo mais fácil: atacar simples funcionárias de atendimento que, se são mal formadas, a culpa não é delas; se são orientadas a agir daquela forma, cumprem o que lhes passam seus superiores.

Não, a UPA não está mil maravilhas, não tem este texto o objetivo de isenta-la de culpa, ou quem tem a responsabilidade de fazê-la funcionar. Mas agindo como agiu, Niquinha fez a opção pelo marketing político, pela bravata barata e pela destemperança.

Atitudes de quem acredita que é assim que se age sempre que estiverem do outro lado, pessoas simples, cumpridoras de seus deveres, que passam por muitas situações, a fim de garantirem seus sustentos no final do mês.

A menos que o vereador saiba de algo que nosotros não sabemos. Algo como apadrinhamentos generalizados que alçam à condição disso e daquilo pessoas que não têm a menor condição de estarem onde estão, mas têm padrinhos fortes. Aí já é outro assunto. Mas que deveria ser trazido à tona por tão diligente político.