Não há um só canto da cidade onde o assunto não seja a trágica e dolorosa – para todos nós – morte da garotinha Rafaela, de seis meses de vida, tamanha a repercussão que o caso ganhou, até em nível estadual. A comoção que causou na opinião pública tão grave fato, é um indicativo de que o assunto não deve morrer por aí.

E cumpriremos papel de fiscalizadores sociais, do necessário cumprimento das leis e dos direitos fundamentais do cidadão, se ficarmos atentos aos desdobramentos da apuração de tudo, pela polícia, que promete instaurar inquérito, e pelo próprio Governo Municipal, que promete instaurar sindicância interna.

Como tudo está bem às claras, já se sabe quem, quando, onde, como e por que tudo isso começou, e onde o caso acabou, e por qual razão, não será aceitável uma demora injustificada para se apresentar um laudo conclusivo sobre o ocorrido, seja da polícia, que então deverá responsabilizar quem de direito, seja da Saúde e Executivo que, da mesma forma, punirão aqueles que negligenciaram com a vida alheia.

Aliás, aqui será mais uma daquelas situações em que a corda arrebentará do lado mais fraco. Não restam dúvidas de que a atendente que despachou a mãe com a filha adoentada no colo para outra UBS, distante mais de um quilômetro dali, o fazia cumprindo ordens, que esta secretária de turno não admite o não cumprimento de suas determinações. Ou seja, em princípio fazia o seu trabalho – a menos que tenha decidido por si que aquela mãe não seria atendida ali, o que não é crível.

Embora não seja possível admitir que àquela hora, pouco antes das oito da manhã, não estivesse ali uma enfermeira-padrão a se responsabilizar pelo expediente, e que pudesse ser chamada para uma primeira avaliação do estado da criança – e para isso a própria atendente teria que ter sido instruída -, mas, ao que parece, a ordem ali é serem técnicos, mas usarem do tecnicismo do menor esforço, daquele que enxota os problemas para longe.

Muito bem, a mãe, aflita, chega com sua filha agonizante na segunda UBS, onde consegue que um pediatra pelo menos constate que seu quadro é grave, aliás, gravíssimo. Manda que ela seja encaminhada à Santa Casa, para internação. A mãe vai. É tarde, a criança morre. Uma morte anunciada, sabia a mãe.

A mãe que segurava a pequena Rafaela estava destroçada por dentro por saber que corria contra o tempo, asbarrando sempre no sistema bruto implantado na Saúde municipal pela “dama-de-ferro” Silvia Storti, com aval total do “torquemada” prefeito Geninho (DEM).

Aí há uma linha fina que precisa ser estendida: o que leva um profissional médico, especialista em crianças, a não se dignar em deixar de atender pacientes em situações menos graves e sem risco de vida para acompanhar uma mãe aflita que ele sabia mais que tudo podia perder aquela filha? O procedimento normal, aliás, não seria este profissional mandar acionar uma ambulância e com ela seguir junto à mãe e à filha agonizante até o hospital, onde tomaria as medidas de praxe?

Reputamos até aqui, duas graves falhas, portanto, que vieram a posteriori de uma que talvez seja ainda maior, independentemente das motivações e grau de impotência do plantonista. Talvez aquela que poderia ter inventado um final feliz para a garotinha, a mãe, o pai, e os parentes enfim, fosse a atitude primeira de se chamar um pediatra para examinar a menina, ainda na Santa Casa, onde ficara internada na noite anterior, e onde tivera estancados o vômito e a diarréia.

O plantonista apenas dispensou a mãe, com a recomendação de que ela procurasse um pediatra. E foi o que ela fez, dentro de suas possibilidades – a de andar para lá e para cá com aquela criança no colo. E por que então o pediatra não foi acionado pelo próprio plantonista, sem tirar a responsabilidade de quem quer que seja, pelo atendimento?

Muito provavelmente, por não ter um disponível, no chamado plantão à distância, um dos pivôs da intervenção feita pelo prefeito e sua trupe naquele hospital, defenestrando dali talvez a diretoria mais humana e capaz que aquela instituição já teve.

Há um procedimento naquela Santa Casa, pelos relatos que temos ouvido, que é o da chamada do especialista quando o paciente ou sua família podem pagar pela consulta. Não são poucos os que contam que antes de chamar este ou aquele profissional, o incauto é avisado de que terá que pagar. E quem, tendo condições – ainda que com o maior esforço – de pagar pela vida de um ente-querido ou a sua própria, há de se negar a isso?

Tal procedimento, ao que parece, não é sequer sugerido quando se vê, pela aparência humilde do paciente ou familiar, que não terá ali o valor do ressarcimento aos procedimentos médicos, que deveria ser gratuito, imediato e sem paliativos. Não se está aqui a jogar culpa em quem eventualmente não a tem, já que este processo todo, com certeza envolve questões administrativas, envolve estrutura de ação e funcionamento.

Envolve, pois, o Poder Público e o gestor da Saúde, que tem seu inteiro aval. Envolve o prefeito Geninho (DEM) e a secretária Silvia Storti. Ambos sabedores que há problemas na área, mas vivendo envoltos em seus próprios discursos e tecnicismos desumanos. Portanto, é de se ficar bem atento ao trabalho da polícia, e da própria Saúde, na investigação do fato.

Ao prefeito e sua secretária, recomendaria-se que investigassem, enquanto isso, suas próprias almas, suas razões de ser e de agir. Quando concluírem o “auto-inquérito” que instaurem o processo da busca pela reversão de toda esta situação que causaram, de todas estas mortes dela resultantes.

Já passou da hora de ambos contarem seus mortos e fazerem uma profissão de fé pela vida. Principalmente a vida dos mais humildes, que nesta terra de São João Batista não têm encontrado o caminho do paraíso apontado pelos discursos oficiais.

Até.