Desta vez os dois “soldados da saúde” do prefeito Geninho (DEM) foram longe demais. Ou, talvez, apenas chegaram aonde sempre queriam estar. Ou, mais ainda, talvez numa escorregadela, deixaram cair as máscaras. Falo de matéria publicada na edição de hoje do semanário “Folha da Região”, à página 7 (“Para provedores, atendimentos a pobres atrapalham a Santa Casa”), onde o provedor Mário Francisco Montini, e seu vice-provedor, Vivaldo Mendes Vieira, do auto de suas arrogância e pretensões higienistas, dão-se ao absurdo de acusar o pobre pela atual situação da Santa Casa de Misericórdia de Olímpia.
Espera-se tudo e mais um pouco deste governo. A ponto de manifestações de preconceito social, pendor para medidas higienistas e posturas discriminatórias serem “café pequeno” dentro do corolário ideológico desta turma que detém o poder hoje na cidade. “O grande problema de imagem que tem a Santa Casa é a porta de entrada, que é o pronto-socorro. Tem aglomeração de pessoas lá na frente”, disse por exemplo o vice-provedor, nordestino acolhido por esta terra e essa mesma gente com calor no coração.
“Vamos manter aqui um atendimento de urgência e emergência para planos de saúde e particulares”, diz o provedor Montini, já sonhando antecipadamente com o paraíso imaginado por ele, pessoa de origem humilde que, uma vez atrelado ao poder, sucumbiu aos prazeres da política totalitária e às delícias do mando, ainda que mal exercido, uma vez que agora quer banir de seu espectro, o povo. Particularmente, o povo pobre.
Para os dois”comissários” genistas, então, basta que a patuléia – como diz o iminente Hélio Gaspari, por si também extremamente preconceituoso e higienista – fique longe daquele nosocômio. Que não vá criar “problema de imagem” para o hospital, impedindo-o de “melhorar e ter mais eficiência”, e permitindo que para lá só vá “os conveniados e os particulares”, tão ao gosto dos dirigentes, tudo indica, porque, diz Mendes Vieira, “aí dará para fazer um trabalho melhor”. O pobre, pinguço que briga no bar, a família do pobre adoentado que, preocupada o acompanha ao hospital em grande número, e também aqueles que brigam em casa, que vão se lamentar e buscar socorro longe dali, onde deveriam estar somente os “conveniados e particulares”.
Portanto, senhoras e senhores desta minha querida e tão aviltada urbe, encontrou-se o cerne do problema e a solução para a Santa Casa: o problema são os pobres. E a solução é mantê-los longe do hospital. Simples assim. E agora dá licença que vou ali vomitar.
PS: A propósito deste assunto, leiam abaixo artigo compilado por mim, escrito por Luis Bustamante, que é médico pediatra do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, doutor em geografia pela USP, professor de história do Colégio Nacional e autor dos livros “A Oeste das Minas” e “Triângulo Mineiro, do Império à República”, que muito bem vem reforçar, em nível nacional, o que aqui postamos:
Demofobia Explícita
02/01/2010 – Luis BustamanteNo dia 29 de dezembro, Fernando Barros e Silva, editor do caderno Brasil da Folha de São Paulo, reconheceu, em artigo publicado em seu jornal, que a ascensão de um quinto da população brasileira, antes excluída, à condição de consumidores, foi o grande fato novo dos últimos anos. Reclamou, no entanto, desses ex-pobres que, agora, lotam cruzeiros pela costa brasileira com suas cestas de piqueniques e shows de drag queens. No dia primeiro último, em entrevista dada à mesma Folha, Fábio Mariano, professor da ESPM e dono da consultoria de comportamento do consumidor InSearch, afirmou que a inclusão de mais de 20 milhões de pessoas na classe C, nos últimos seis anos, vai gerar um problema ambiental no Brasil porque “é gente descobrindo como é bom consumir, mas que não se preocupa muito com o planeta”. A classe alta, por outro lado, “até paga um pouco mais por produtos que favoreçam a sustentabilidade”. No mesmo dia, o Jornal da Band exibiu imagens de garis desejando bom Ano Novo. Acreditando que os microfones já estavam desligados, o âncora Boris Casoy comentou: “Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”. Também no mesmo dia, num rompante de franqueza, o blogueiro direitista Reinaldo Azevedo deixou escapar: “nosso repúdio ao que pensam [Lula e o PT] derivam menos de suas idéias sobre política e economia do que de sua imensa vulgaridade”.
Exemplos se multiplicam, mas estes bastam para flagrar o que a elite conservadora brasileira tenta escamotear, negar, mas que, freudianamente, acaba por revelar num chiste, num comentário pretensamente técnico, num momento de ira ou num ato falho: sua profunda, atávica, carnal aversão ao povo.
Trata-se de um conservadorismo muito diferente do norte-americano, por exemplo. Neste, especialmente no chamado Cinturão da Bíblia, a oposição aos liberais (que é como lá chamam a esquerda) alimenta-se de uma utopia secreta, a do retorno do ideal de uma América branca, puritana e comunitária, como a do tempo dos pioneiros. Por isso desconfiam do Estado e cultuam a violência auto-defensiva, rejeitam as minorias raciais, o darwinismo e o casamento gay.
Nossos conservadores, por seu turno, não se preocupam em discriminar gays ou condenar evolucionistas, pois seu cimento ideológico não é a religião, nem o culto a valores ancestrais. Sua identidade se faz pela distinção social, obtida pela segregação dos de baixo e pela ostentação de símbolos de exclusividade. Seu pensamento é como um marxismo às avessas, pois acreditam na luta de classes. Não só acham que os pobres pretendem avançar sobre seus privilégios, como também se sentem incomodados pelos pobres que deixaram de sê-los. Cenas de miseráveis soterrados em seus barracos durante tempestades de verão provocam-lhes piedade ou indiferença. Cenas de ex-pobres comprando eletrônicos a crédito despertam-lhes rancorosa indignação.
Até.
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